Pe. Pedro Samuel Cintra

Tornamos pública uma auto-biografia escrita, a próprio punho, por Mons. Pedro Cintra, em novembro de 2000.

Nasci em Brazópolis, no Bairro do Bengalal, em 17 de fevereiro de 1913. Meus pais chamavam-se Adolfo Gonçalves Cintra e Alvarina Pereira Cintra. Minha vocação sacerdotal surgiu espontaneamente. Mistério de Deus!

Eu era menino de roça. Pobre. Fiz amizade com um coleguinha da Escola primária. Ele era rico, tinha irmãos em seminários, uma irmã religiosa. Apesar de pobre, ele gostava de mim, ou gostava de montar na garupa do cavalo em que eu vendia leite. Ele e um irmão menor falavam que iam ser padres. Fiquei contaminado pela idéia. Dentro de alguns meses eles foram para o Seminário Redentorista de Aparecida. O Padre Missionário que os levou não me aceitou. Eu não podia pagar. Era menino roceiro, desajeitado, dentes apodrecidos. Não prenunciava bom futuro. Mas o ideal impregnado em mim pelos dois amiguinhos permaneceu. Agora já era uma vocação, isto é, chamado de Deus.

Ouvi falar no Seminário Diocesano de Pouso Alegre. Precisava falar com o Vigário, Cônego Herculano Moreira. Ele não me conhecia. Lauro, meu irmão, o ajudava na igreja, porque residia na cidade com minha avó materna, vizinha da igreja. Por seu intermédio falei com o Vigário que me acolheu com alguma simpatia. Declarou-me que o Bispo, Dom Octávio, viria a Brazópolis em visita pastoral dentro de alguns dias. Minha mãe, Alvarina, deveria falar com o Bispo pessoalmente. Falar com o Sr. Bispo, naquele tempo, exigia uma dose de muita coragem. Minha mãe era roceira e tímida, mas diante de minha insistência, enfrentou e foi comigo à casa paroquial. Dom Octávio foi acolhedor. Eu seria aceito no Seminário, mas era necessário pagar pelo menos meia pensão, isto é, 400 mil réis por ano. O Sr. Bispo falou que o Seminário era muito pobre. Mesmo sem poder, minha mãe topou a parada. Se já trabalhava muito, ia trabalhar mais ainda na esperança de ter um filho padre. Ficou tudo combinado. Era o mês de novembro de 1926.

O enxoval começou a ser preparado. Mamãe não estava financeiramente prevenida para tal despesa, mas gozava de bom crédito no comércio. Era necessário também um bom serviço nos dentes cariados. Um tio de minha mãe se incumbiu de providenciar um dentista. Arrumou o pior da cidade. Encheu-me a boca de obturações de ouro, muito mal feitas. Parecia um ciganinho. Devo observar que um tio de minha mãe e meu irmão mais velho foram difíceis de vencer. Estava tudo pronto. Havia terminado a terceira série escolar. No dia 21 de fevereiro de 1927 eu entrava para o Seminário Diocesano de Pouso Alegre. Meus amiguinhos Romeu e José Braz Pereira Gomes foram para o Seminário de Aparecida um mês antes. Romeu deixou o Seminário depois de alguns anos. José Braz tornou-se Missionário Redentorista. Foi professor de Teologia e reside hoje em Aparecida, onde ainda presta serviços à Igreja.

Agora, eu já era seminarista. Devido aos dentes obturados a ouro e minhas roupas acaipiradas fui logo apelidado de capiau, caipira, matuto. Foi a primeira dificuldade a vencer. Tudo superei.

Os superiores exigiam, logo nos primeiros dias, decorar um número grande de orações em latim: Pai Nosso, Ave Maria, Salve Rainha, o Salmo 50 e outras, e também alguns hinos clássicos da Igreja, além de ser preciso também aprender a responder à Missa em latim. Rezei muito, fiz promessas absurdas e chorava escondido, com receio de que aquele latinório sem fim entrasse na minha cabeça. Foi mais uma etapa vencida.Começaram as aulas. Mandaram-me cursar a Quinta Série, eu que só tinha o 3º Ano primário. Encontrei muita dificuldade. Repeti o ano. Fiz então uma base robusta para o futuro. Não houve mais dificuldades.

Encerrei a Oitava série. Recebi a batina. Foi a grande alegria de minha vida de seminarista. Comecei a cursar o Segundo Grau e, ao mesmo tempo, a Filosofia. Era uma carga pesadíssima. Mas em dois anos venci e já entrava triunfante no Curso de Teologia, no tradicional e histórico Seminário Maior de Mariana.Meu contentamento era indescritível!

Em Mariana, tudo era estranho para mim e meus colegas de Pouso Alegre. Um mundo diferente! Era uma comunidade de 150 alunos. Em Pouso Alegre, éramos meia dúzia. A adaptação não foi fácil, mas aconteceu logo. Havia compensações: belos passeios ao Pico do Itacolomy, à história cidade de Ouro Preto, aos museus, aos monumentos históricos, às igrejas artísticas do tempo colonial trabalhadas pelo célebre Aleijadinho.

As Ordens Menores recebi em Mariana, em duas etapas, das mãos de Dom Helvécio Gomes de Oliveira, Arcebispo Metropolitano. As Ordens do Subdiaconato e Diaconato, recebi em Pouso Alegre.

Concluídos meus 4 anos do Curso Teológico, fui ordenado sacerdote por Dom Octávio Chagas de Miranda, na Catedral de Pouso Alegre, aos 8 de dezembro de 1937, juntamente com o Pe. Francisco Simões e Pe. Afonso Carvalho, ambos falecidos.

Celebrei minha Primeira Missa Solene em minha Brazópolis natal, em 12 de dezembro de 1937.

Fui, então, designado para Vigário Cooperador de Mons. Teófilo Guimarães, Pároco de Ouro Fino, onde cheguei em 1º de Fevereiro de 1938. Aos 18 de março de 1939, fui nomeado também Vigário Ecônomo de Crisólia, residindo, porém, em Ouro Fino. Em Crisólia, restaurei a Matriz e construí a Igreja de São José do Mato Dentro. Em 30 de dezembro de 1943, recebi a Provisão de Vigário Auxiliar de Ouro Fino, praticamente assumindo devido a impossibilidade de Mons. Teófilo, já idoso e bastante enfermo. Organizei a assistência social e construí o Educandário São José. Lancei as sementes de um Asilo, mais tarde tornando-se uma realidade graças aos esforços do Sr. Sebastião Assis e Mons. José Roberto da Silva.

Com a morte de Mons. Teófilo, em 1945, fui nomeado Pároco de Maria da Fé, onde incentivei a construção da Vila Vicentina.

Em agosto de 1947 fui designado Pároco de Borda da Mata, tomando posse da Paróquia em 21 de setembro do mesmo ano, com a incumbência de terminar a construção do prédio do Colégio Nossa Senhora do Carmo e construir a nova Matriz, uma vez que a existente se encontrava um tanto deteriorada.

Exerci, ao mesmo tempo, o encargo de Vigário Ecônomo de Bom Repouso por duas vezes: em 1953, nomeado por Dom Octávio, e em 1958, nomeado por Dom Oscar de Oliveira. Em 22 de agosto de 1958, fui nomeado Pároco Consultor da Diocese de Pouso Alegre, por Dom Oscar.

Ao assumir a Paróquia de Borda, não encontrei um centavo em caixa. Havia, sim, uma dívida para com a Capela filial de tocos do Mogi.

Cuidei também de minha mãe e meu irmão Lauro, cujas partidas, muito me feriram, além do falecimento de meu cunhado, Geraldo Puttini, que era como meu irmão, ajudando-me muito durante sua permanência em Borda da Mata. Era uma pessoa, a meu ver, sem defeitos!

Sentindo a saúde um tanto debilitada e as forças não serem suficientes para exercer a contento a missão de pároco, encaminhei ao meu Arcebispo, Dom José D’Ângelo Neto, minha renúncia. Num primeiro momento ele não aceitou, mas diante de minhas justificativas, de bom grado, enviou para Borda da Mata um novo pároco, o Pe. José Eugênio da Fonseca, que tomou posse da Paróquia em 10 de fevereiro de 1985. 

Encontrei no Sr. Arcebispo todo o apoio para permanecer em Borda da Mata. Meu sucessor, Pe. José Eugênio tratou-me com toda deferência e atenção. Do seu sucessor, Pe. José Donizete Moreira, recebi também a assistência necessária.

Hoje, 6 de novembro de 2000, tenho 87 anos de idade. Faz 15 anos que entreguei a Paróquia. Os ex-paroquianos, aos quais ainda procuro servir como posso, tem me agasalhado com a mesma consideração e afeto.